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Aos pobres, o discurso.

* Raimundo Ney –

Hoje fala-se muito mais de pobreza do que antes, o que é normal, dada a crise generalizada pela qual atravessamos. Além disso, nestes tempos difíceis o Brasil tem dado sorte no quesito solidariedade.

Sim, tem brasileiro que presta, apesar das noticias. Mas as duas coisas estão bastante desligadas. O altruísmo, em geral assisado, pouco ou nada tem que ver com o que se diz da pobreza.

Me lembro muito bem de um belo artigo publicado por Israel Boaz (Badé), em sua coluna, sob o título “VAMOS DAR AOS POBRES, APENAS A POBREZA”, que tratava das nuances da filantropia política.

E porque não há muita ligação entre altruísmo e o que se propaga da pobreza? Porque, primeiro, porque quem fala sobre miséria, penso eu, costuma estar enraivecido, portanto, fora de si. Isso até é compreensível, mas a ira, mesmo bem intencionada, gera exageros, discórdias, perda de objetividade e de realidade, o que é lamentável em problema tão grave. Segundo, porque a quase totalidade dos que organizam idéias sobre pobreza não são pobres.

Também isso é natural, pois os verdadeiros desprovidos, por o serem, não têm voz ou influência. Captar auditório é, em si mesmo, uma peculiaridade inata aos indigentes. Por isso, aqueles que ouvimos falam de algo que de fato não vivenciaram, e em geral mal viram, apenas imaginam, e essa ilusão é campo fértil para discursos demagogos e populistas, com soluções fáceis, mas fatalmente perigosos.

Talvez o aspecto mais inesperado seja que, no fundo, as recentes conversas sobre pobreza tratem de outro assunto, escondido por trás da sensibilização que o discurso, feito convenientemente para a ocasião, provoca no público para quem é direcionado. Sabem porque? Porque o tema delas é quase sempre política.

Sem duvidar da integridade e da boa intenção do orador, arrisco-me em dizer que a finalidade imediata da retórica não é aliviar os pobres, mas atacar o neoliberalismo, rejeitar o sistema, derrubar o Governo, combater a reforma do Estado, o Orçamento ou outro decreto particular. A miséria serve de pano de fundo para tudo, desde a imposição de doutrinas e dogmas, como ocorre hoje em várias partes do mundo e aqui no Brasil, até o uso de violência física e genocídios, onde o fim justifica os meios.

Este fato é muito desconcertante, por duas razões. Primeiro porque as medidas do Governo têm trazido sempre ressalvas nos rendimentos mais baixos. Como explicar então que, apesar disso, tantos protestem em nome deles? Mas a suprema estranheza advém de os defensores dos pobres se virarem para o Estado, que todos sabem ser há séculos um inimigo dos miseráveis.

Reis, imperadores e governantes nunca se interessaram pelos desgraçados, quando não os perseguiam e os puniam por serem exatamente desgraçados.

O poder não gosta dos pobres, usa-os, e estes confiam mais na ajuda do próximo que nas promessas dos chefes.

Por outro lado, há muito que é a Igreja, não o Governo, a tratar dos necessitados. Isso é notório. As coisas parecem diferentes na moderna democracia assistencialista brasileira, mas um velho princípio econômico mostra a ingenuidade dessa ilusão.

Assim se explicam as confusões dos discursos sobre pobreza. A maioria dos que falam em nome dos “mais necessitados”,  estão realmente a defender as classes acima.

O fazem como se não houvesse isonomia alguma de direitos, ignorando a histórica máxima dita por Aristóteles, onde “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.

As medidas contestadas não tocam os verdadeiros pobres, geralmente alheios aos políticos, até de esquerda, e isso nos remete a atualidade que vivemos.

As greves dos serviços públicos não se destinam a proteger os desvalidos, que aliás são os que mais sofrem pela falta de transporte e a ausência de funcionamento de outros sistemas.

Curioso é no Brasil não há manifestações de mendigos, miseráveis e necessitados. São antes os remediados, que se consideram carentes, que fazem as exigências em nome dos silenciosos, os quais nunca são de fato assistidos, vejam a greve geral de hoje.

Foram 13 anos de governo petista e 11 milhões de desempregados, onde estavam os sindicatos que pararam o país dia 28/04, que não fizeram o mesmo em nome desses pobres 11 milhões de trabalhadores? Essa á a contradição do discurso da pobreza. Querem é poder e, como dito em linhas pretéritas, o poder não gosta do pobre.

Boa parte da retórica de contestação baseia-se neste mal-entendido, em que burgueses se passam por infelizes.

Entretanto e infelizmente, os verdadeiros desgraçados, mudos como sempre, ainda têm de ouvir os muitos aproveitamentos do seu nome.

No dia da greve geral 28/04/2017, eu fui trabalhar.

* Raimundo Ney é de Corrente-PI, advogado militante, formado em Ciências Jurídicas pelo UNICEUB/DF,  pós-graduado em Direito e Jurisdição pela escola Superior da Magistratura do Distrito Federal – AMAGIS-DF.

 

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