A chegada dos Batistas no Piauí – A resistência dos Católicos
O Historiador de Corrente, David Nogueira, em suas pesquisas na Biblioteca do Seminário Teológico de Princeton – Estados Unidos, continua a descobrir documentos que narram a chegada dos Batistas no Piauí. O Portal Fort Notícias vai publicar em primeira mão uma série de fatos que marcam a história do catolicismo e dos protestantes nesta região.
* Por David Nogueira
O New Graduate College, lugar em que moro, fica a pouco mais de 500 metros do Seminário Teológico de Princeton. Eu nunca imaginei que na biblioteca do seminário fosse encontrar um livro que narra com tantos detalhes uma história que ouvi muito de minha avó, Edy Guerra Nogueira e de minha mãe; Edione Nogueira: a da chegada do evangelho no Piauí.

A edição americana deste livro de Crabtree é de 1952, mas achei aqui também uma versão em português de 1962. Nos próximos dias, vou reproduzir neste espaço toda a parte que o autor fala da chegada do evangelho ao Piauí, para que outras pessoas tenham a mesma sensação que tive, de ler uma história conhecida, mas com uma riqueza maior de detalhes.
Algumas datas parecem estar erradas quando comparadas às cartas que achei no arquivo da IMB, o batismo de Cel. Benjamin Nogueira, por exemplo, se deu, de acordo com as cartas de Z.C. Taylor, em outubro de 1901, e não em 1902, como ele coloca. Mas no geral o relato de Crabtree bate com a tradição oral sobre o evento e com os documentos que encontrei no arquivo. Boa leitura!
CRABTREE, A.R., HISTÓRIA DOS BATISTAS NO BRASIL, VOL. I, RIO DE JANEIRO: CASA PUBLICADORA BATISTA, 1962. 2a edição. pp.209-216.
O papel dos gêmeos Benjamin e Joaquim
“Cel. Benjamin e o Dr. Joaquim Nogueira Paranaguá eram homens religiosos por natureza, mas não acharam no catolicismo a satisfação para as suas necessidades espirituais. Reconheceram, mesmo antes de conhecerem o evangelho, que os ensinos do Seminário não eram o que devem ser, porque nem satisfaziam à razão nem ao coração.
O Dr. Joaquim Nogueira Paranaguá escreveu-me uma carta particular de Corrente, a 20 de outubro de 1925: “O evolucionismo encheu-me de esperanças por algum tempo; mas, não me satisfazendo, procurei conhecer diversas religiões sem que me satisfizessem.
”Aqui temos o exemplo de um homem inteligente, com aspirações e anelos espirituais, que só o evangelho de Cristo podia satisfazer. Antes, então, de conhecer o evangelho, estes homens estavam trabalhando, pela providência divina, para trazer as bênçãos do evangelho ao seu povo.
Voltando para Corrente em 1882 e notando o atraso da população, o Dr. Joaquim Nogueira Paranaguá doou a melhor casa da vila para a escola pública, fazendo vir um bom professor e mandando preparar o necessário mobiliário para a referida escola, que deu ótimo resultado.
Assim, sem saber, preparou o seu povo para aceitar em tempo oportuno os ensinos da Palavra de Deus. Foi justamente o seu interesse naquela escola primária que trouxe o evangelho ao povo correntino.
Numa visita a Corrente, notou a falta de livros na escola pública e prometeu ao seu irmão e ao professor da escola procurar livros para suprir a falta. Na referida carta de 1925 o Dr. Joaquim escreveu ao autor a seguinte história sobre o encontro com o Dr. Zacarias C. Taylor e o famoso caixote de livros que tanto contribuiu para a evangelização do Estado do Piauí e as suas vizinhanças:
“Depois da promulgação da Constituição da República, ao chegar à cidade da Barra, do Rio Grande, de volta do Piauí para a Capital Federal, soube do atentado projetado contra a vida de Zacarias C. Taylor, pastor evangélico, destinado à voracidade das piranhas.
Interessei-me quanto possível pela conservação da preciosa vida desse pastor, contra quem o fanático Padre Júlio, vigário daquela freguesia, havia sugestionado o povo ignorante de seu rebanho para lançarem-no às piranhas, na ocasião do embarque. Felizmente, por intermédio das autoridades locais, consegui impedir tão nefasto crime.
No dia seguinte embarquei com aquele missionário, sem que ele soubesse o que haviam premeditado contra sua existência, tão útil à causa da nossa civilização! Fizemos boas relações durante a viagem; e ofereceu-me ele um volume do Novo Testamento, pedindo-me que o lesse, ao separarmo-nos, o que fiz”.
Encontrou-se depois com o pastor e dele comprou um caixote de Bíblias e Novos Testamentos e os remeteu ao seu irmão com o pedido de que os examinasse para determinar se servia para alunos da escola correntina.
O resto da história soube numa entrevista pessoal com o irmão mais moço do Dr. Paranaguá, o Sr. José Francisco Nogueira, no Rio, em 1934. Havia no caixote cinco Bíblias da versão Figueiredo e uma porção dos Evangelhos de Mateus e Lucas. Examinaram os livros e julgaram que os Evangelhos podiam ser usados pelos alunos, porém as Bíblias, sendo pesadas para esse fim, foram distribuídas entre as seguintes pessoas: Benjamin Nogueira Paranaguá, Numa Nogueira Paranaguá, Francisco Carvalho de Araújo, Francisco Alconforado e o Prof. Herculano Marques da Silva Costa. Esta distribuição das Bíblias foi feita nos fins do ano de 1891.
Com a leitura da sua Bíblia, o Cel. Benjamin Nogueira foi o primeiro a se converter e em tempo todos os outros que receberam as Bíblias, com exceção do professor, converteram-se pelos estudos da Palavra de Deus e juntamente com eles diversos membros de suas respectivas famílias.
Vibrou largamente o som do evangelho por intermédio desses convertidos, que começaram a evangelizar seus vizinhos. Aumentou em seguida o combate ao analfabetismo, aos vícios, aos preconceitos e superstições como resultado da nova visão evangélica.
Numa carta escrita à Junta de Richmond em junho de 1896, o Dr. Zacarias C. Taylor disse que um irmão de um deputado federal tinha vindo recentemente do Estado do Piauí à Bahia, no desejo de fazer profissão de fé e batizar-se na presença de seu povo em Corrente. Depreende-se logo que foi o Cel. Benjamin, falou ao Dr. Taylor do número avultado de pessoas convertidas em Corrente e que esperavam a vinda de um pastor para batizá-las numa igreja.
Comprou e levou consigo uma grande quantidade de Bíblias e folhetos para distribuir entre o povo. Pediu ao Dr. Taylor que intercedesse a favor do seu povo e mandasse um casal de missionários para trabalhar no seu Estado, oferecendo ele e seu irmão, Dr. Joaquim (ainda não convertido), o salário para o mesmo.
FIM DO 1º TRECHO
Neste texto de Crabtree a famosa história da “caixa de bíblias” é confirmada. Há várias referências de Zacarias Taylor a Joaquim Nogueira Paranaguá e a Benjamin Nogueira em suas cartas arquivadas em Nashville. Por estas e outras referências aos irmãos gêmeos, parece-me que enquanto Joaquim Nogueira Paranaguá era mais racional e demorou um pouco mais a abraçar o protestantismo, Benjamin era um homem mais passional e tornou-se logo um crente convicto.
Em uma carta de novembro de 1901 Taylor escreve à missão “O Irmão Jackson batizou o coronel Benjamin Nogueira, irmão do senador, por muitos anos interessado. Ele tem muitos parentes e eles pedem por um missionário – para que eles mesmos o sustentem. No dia 19 de outubro ele deixou o estado do Piauhy para o estado de Goyaz…” (FIG. 1)
Outro que escreve sobre o papel dos irmãos na disseminação do protestantismo no Piauí é o chefe da divisão educacional da Junta de Richmond, T.B. Ray. Ele esteve no Brasil em 1910 e em seu livro Brazilian Sketches, narra os fatos que Crabtree, quarenta e dois anos depois, retratou. Escreve T. B. Ray em 1910:
“O amadurecimento do Estado de Piauhy para a evangelização ilustrará a urgência da oportunidade em todo o Brasil. Já em 1893, o Dr. Nogueira Paranaguá, que era então Senador da República, exortou o Dr. Z. C. Taylor a enviar um homem para o Piauhy e prometeu ajudar a pagar as despesas. Dois anos depois, o coronel Benjamin Nogueira, irmão do senador, fez um convite semelhante, fazendo uma promessa de que ele iria sustentar um missionário.
Não foi até 1901 que E. A. Jackson conseguiu chegar à casa do coronel Benjamin. Ele pregou o evangelho na casa deste bom homem e também em Corrente, a cidade próxima. Uma perseguição, amarga e determinada, surgiu. Houve três tentativas de levar a vida de Jackson em um mesmo dia. Em uma delas o coronel Benjamin entrou entre o assassino e o missionário e, assim, salvou sua vida. Alguns meses depois, após o retorno do missionário, o coronel Benjamin, que há tantos anos foi amigo do evangelho, entregou-se a ele e foi batizado.
Em janeiro de 1904, a nova casa de adoração em Corrente foi dedicada. Foi construído pelo coronel Benjamin às suas custas. Ele também construiu um edifício escolar e uma biblioteca, e depois, quando o missionário conseguiu garantir um professor, esse generoso homem pagou todas as despesas.
Quando chegamos ao Brasil no verão passado, recebi uma mensagem do juíz Júlio Nogueira Paranaguá, sobrinho do coronel Benjamin, que é um dos Juízes de Circuito no Estado de Piauhy e que deve se aposentar em breve, de acordo com a lei brasileira. Assim que isso acontecer, ele espera entregar-se inteiramente ao trabalho de evangelização de seu próprio povo” (RAY 1910). ”
Aqui novamente vemos que Joaquim e Benjamin, cada um à sua maneira, esforçaram-se bastante para que os Batistas chegassem ao sul do Piauí. Se Joaquim salvou a vida do missionário Taylor, Benjamin parece ter salvo (e vezes no mesmo dia) a do missionário Jackson. O que nos levanta algumas perguntas. Será realmente que a oposição aos missionários em Corrente foi assim tão forte? No próximo artigo vamos continuar seguindo o texto de Crabtree e outras fontes para responder a esta pergunta. Um abraço e até a próxima!
Referências:
Carta de Z.C Taylor a Dr. Robert J. Willingham, 17 de novembro de 1901. IMB Files, Taylor, Z.C, box 60.
CRABTREE, A.R., História dos Batistas No Brasil, VOL. I, Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1962. 2a Edição.
RAY, T.B. Brazilian Sketches, Lousville: Baptist World Publishing Company, 1912.
AGUARDE OUTRAS PUBLICAÇÕES.
* David Fernando Nogueira da Silva é de Corrente, é doutor em História pela Universidade de Princeton, Estado de New Jersey – Estados Unidos.
Muito impactante essa história, espero que o mesmo afinco e paixão por salvar o povo de Corrente surja nos cristãos atuais, que honrem a Deus e a memória desses grandes homens que foram canais de Deus através de suas finanças e trabalho.