CIDADESCOLUNISTASDAVID NOGUEIRA

Coluna David Nogueira – A importância dos americanos para o progresso de Corrente

Instituto Batista Correntino, colégio fundado em 1920, com a colaboração dos americanos.

 

 

 

Por David Nogueira

Muitos dos que andam por uma das principais avenidas de Corrente-Pi – Avenida Adolph John Terry – talvez desconheçam a importância deste homem e de sua esposa, Lulu Terry, para a história da cidade.

Sem a determinação deste casal o Instituto Batista Industrial, futuro Instituto Batista Correntino, muito provavelmente seria um projeto abortado. Sem o Instituto, que foi um centro de conhecimento e desenvolvimento no sul do Piauí, principalmente entre os anos 30 e 70, a história de Corrente seria muito diferente.

Talvez até mesmo a sua história, caro leitor, fosse diferente sem a tenacidade dos Terry. A minha, por exemplo, seria, já que se não fosse o Instituto, meus pais sequer teriam se conhecido. Hoje quero falar um pouco sobre este casal.

De acordo com sua ficha no International Mission Board, Adolph John Terry nasceu em Evergreen, Lousiana, em 5 de julho de 1883 e formou-se no seminário em 1910. Lulu Sparkman nasceu em Wauchula, Florida em 1887. Filha de pastor, Lulu viveu em vários estados do Sul até que ingressou na Stetson University e depois na W.M.U Training School, que mais tarde veio a fundir-se com o Seminário Teológico Batista do Sul.

Foi ali que Lulu conheceu seu esposo Adolph. Lulu não foi simplesmente uma “esposa de missionário” ela teve o mesmo treinamento e formação do esposo. Ela foi a primeira mulher, com este tipo de formação, a ser mandada como missionária pela Junta de Richmond.  Em 8 de Junho de 1911 Adolph e Lulu casaram-se na Flórida, em 17 de janeiro de 1912 foram apontados missionários da junta de Richmond e em 03 de julho de 1912, às 10 da manhã, partiram em um navio de Nova Iorque para Recife.

Era o começo da vida de missionários no nordeste brasileiro. Lulu já estava grávida do primeiro filho. Na primeira carta que envia a missão, datada de 02 de agosto de 1912, uma semana depois de chegados, John Terry demonstra adaptação e vontade. Ele escreve: “eu estou satisfeito com tudo aqui. Comecei a estudar a língua. Estou muito satisfeito com nosso professor. Agora eu posso entender as possibilidades maravilhosas que existem aqui. Se eu ao menos já soubesse o idioma, já poderia ajudar. ”

Depois de um tempo de treinamento e aclimatização em Recife o casal Terry iria até Teresina. Não só o casal, já que o primeiro filho havia nascido em Recife em novembro de 1912.  Em uma carta de 1o de maio de 1913 Terry escreve “Em poucos dias ou semanas esperamos começar a viagem ao Piauhy. É uma viagem longa e difícil por meio de pequenos barcos à vapor, mas estamos ansiosos pela viagem, porque é a realização de nossas esperanças”. Chegam a Teresina, via Parnaíba, em 16 de julho de 1913. Neste momento só havia 2 igrejas Batistas no Piauí, uma em Teresina e a Igreja de Corrente.

A primeira carta de Terry para o diretor executivo da missão enviada sobre Corrente é de 17 de outubro de 1919, escrita da Bahia, mas já em papel timbrado do “Instituto Baptista Industrial” e dizia:

“Encontrei nosso trabalho na vila de Corrente especialmente próspero. A igreja comprou mais um prédio em nossa ausência e o remodelou de forma que sirva temporariamente como um prédio de escola, e estavam fazendo mais um puxado no prédio da igreja. Tudo isto é para estar pronto até a nossa mudança em definitivo com as famílias. Augusto Fernandes, o pastor brasileiro e professor, tem mais de 75 alunos em sua escola hoje e só não tem mais porque teve de recusar alunos. Lá eu falei sobre a necessidade de o Dr. Downing ter um bom estoque de remédios para que ele possa tratar de forma adequada os doentes, e me deram cerca de 2,000$000 para que ele traga de remédios com ele. Eles todos parecem ansiosos em cooperar em tudo que puderem em tudo que signifique o desenvolvimento de nosso trabalho. Que eles continuem a ter esta atitude. ”

Esta carta é importante por vários motivos. Primeiro porque ajuda a entender que o trabalho em Corrente não é apenas o fruto da vontade da missão, mas também das várias formas de apoio da população local, como o dinheiro para os remédios. Não fossem os esforços dos próprios homens e mulheres de Corrente, que enxergavam no trabalho da missão uma forma de desenvolvimento da região por meio da educação, provavelmente a missão não teria conseguido se estabelecer na vila de Corrente.

Segundo porque ela menciona um fato que poucos hoje sabem: a presença de um médico da missão, Dr. Downing e sua esposa, em Corrente, por quase um ano. Além de Downing, a missão mandou também um agrônomo para iniciar um trabalho técnico na região, A.E Hayes. Ou seja, o trabalho inicia-se com um casal de evangelistas, os Terry, com um médico e sua esposa, Dr. Downing, e com um braço técnico para agricultura, A.E. Hayes.

Em uma carta datada de 7 de fevereiro de 1920, Terry informa que tudo está indo muito bem no trabalho da missão em Corrente

Estamos no campo de Corrente há um mês(…) Estamos agora tratando e vistoriando a terra que nos foi dada para o Instituto para que possamos logo começar o prédio de nossas residências e o primeiro prédio da escola. Teremos de queimar cal, construir fornos para queimar tijolos, tirar madeira da floresta, tudo na mão, você pode logo perceber que não se trata de serviço pouco aqui. Não temos qualquer tempo livre. A pequena igreja aqui em Corrente está tomando vida nova.  Eles acabaram de reformar o prédio da Igreja, de maneira que agora há espaço para todos que querem ouvir o evangelho. Eles também compraram e reformaram uma outra casa mais barata que estão usando como uma pequena escola paroquial. Augusto Fernandes é atualmente o diretor. Assim que nos estabelecermos um pouco melhor, vamos assumir esta escola e colocar mais professores (…)

 Eu gostaria que você pudesse ver Dr. Downing em seu trabalho. O consultório que ele montou vive cheio toda manhã, e pode-se ver gente indo e vindo o dia todo. Até mesmo o velho padre daqui foi se consultar com ele. Este velho padre está velho e doente, e tem pela frente, na melhor das hipóteses, mais alguns anos. O poder do catolicismo aqui depende dele. Quando ele falecer, o poder dos católicos vai se enfraquecer bastante. O médico mais perto é em Barra, 200 milhas de Corrente, então há gente vindo de longe e de perto para se tratar.

Entretanto, apenas 8 meses depois desta carta, que retrata um trabalho que se desenvolve muito bem, uma outra, datada de 12 de outubro de 1920, nos faz ver que algumas coisas começam a mudar e a dificultar a vida da missão e dos missionários. O filho mais velho do casal contrai doença de Chagas e Lulu Terry tem de ir com ele para os Estados Unidos.

 O padre “velho e doente” escreveu um artigo em um jornal de Floriano denunciando que as terras doadas pelo Dr. Nogueira Paranaguá ao Instituto eram, na verdade, terras que pertenceriam à padroeira da cidade. Tudo isso aconteceu enquanto Terry estava na Convenção Batista Nacional em Recife. Terry escreve que Hayes e Dr. Downing, não sabendo muito como agir, paralisaram todos os trabalhos do instituto, mas que ele já consultou vários advogados e todos disseram que a documentação fornecida pelo Dr. Nogueira Paranaguá era válida. Não só isto como, Nogueira Paranaguá e José Nogueira garantiram pagar qualquer prejuízo que a missão viesse a ter com o imbróglio causado pela contestação do padre.

Mas Hayes e Downing não estavam felizes em Corrente e usam a questão das terras como pretexto para deixarem a cidade. Eles escrevem à missão dizendo que ali não pode ser o centro da Missão no Norte. Em uma carta ao novo secretário executivo. J.F. Love, datada de 8 de julho de 1921, Lulu Terry, esposa de Adolph Terry explica toda a situação e defende a cidade de Corrente:

“(..) Você pediu que eu escrevesse para contar dos problemas em Corrente(…) Eu não sei quão familiarizado você está com o trabalho em Corrente, então vou começar do começo. Em dezembro de 1916 a Missão do Norte do Brasil decidiu que, para continuarmos o trabalho no interior, era necessário que tivéssemos um centro. Um comitê foi selecionado para escolher a localização para este centro. Este comitê fez uma viagem pelo interior em 1917 e deu o seu relatório à Missão na reunião de 1918 (…) Este relatório, como você sabe, foi aprovado, e quando retornarmos da nossa licença[1], em 1919, Dr. Downing e o Sr. Hayes vieram nos ajudar a abrir o trabalho aqui. Eles permaneceram aqui por cerca de 9 meses.

Desde o início o Sr. Hayes se decepcionou. Parece que suas ideias eram mais para uma grande estação experimental do que para o plano simples sugerido pelo relatório do comitê. No interior nós temos as estações chuvosa e de seca. Durante a estação chuvosa, a chuva cai de forma suficiente a produzir mais comida do que pode ser consumido durante a estação(…) Na seca, por 4 ou 5 meses, quase não há chuva, contudo, o capim nativo é suficiente para manter o gado. As árvores frutíferas não sofrem e nas partes mais baixas, ao longo dos riachos e rios, pode-se plantar vegetais sem necessidade de irrigação. (…) O Sr. Hayes e o Dr. Downing nunca passaram uma estação chuvosa completa em Corrente (…) Baseando-se assim em sua experiência limitada, eles classificaram essas terras como semiáridas. Apesar de Sr. Hayes ter o treinamento técnico, ele tem muito pouca experiência prática.

Antes de ser enviado para Corrente, o Sr. Muirhead disse ao Sr. Hayes que ele teria de esperar de 5 a 10 anos antes que se pudesse desenvolver uma agricultura de ponta. Apesar deste aviso ele disse que se decepcionou porque não havia em Corrente alunos preparados para o nível de lições que ele queria ensinar. Ele disse no encontro da Missão que um técnico não devia ter sido enviado para cá. De fato, isto é verdade, mas só se o técnico não consegue se colocar no nível de simplicidade de uma escola que está sendo aberta no meio do interior e se ele não tem a paciência para esperar o tempo necessário para o seu desenvolvimento. (…)

No que diz respeito ao trabalho médico, Dr. Downing era o único médico disponível quando viemos para Corrente. Nenhum dos outros missionários mais antigos esperava que ele fosse ficar para sempre, mas esperávamos que ele ficasse pelo menos até que outro viesse preparado para assumir o trabalho. (…)

Dr. Downing pintou um quadro dos brasileiros com quem trabalhamos aqui como sendo o mais degradado tipo de gente moral e fisicamente. Você conhece o suficiente sobre as pessoas do interior nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar para saber que isso não é verdade(…)

Nós não temos nada a dizer sobre estes homens deixarem Corrente. Se eles sentem o chamado para outro lugar, isto é, entre eles e Deus. Contudo, nós nos opomos a esta atitude deles com relação ao trabalho em Corrente.

Durante nossos primeiros 5 anos no Brasil trabalhamos sozinhos no Piauhy. Eu fiquei dois anos sem ver uma única mulher que falasse inglês.  Nós aprendemos a amar os brasileiros pelo amor ao Mestre e não nos importamos de viver entre eles longe de todos os americanos (…) Essa gente no Piauhy nos deu a terra. Ela já foi medida e toda a documentação está acertada. Eles contribuíram de forma liberal, na verdade eles mais do que cumpriram a promessa de 1917. Eles estão dispostos a fazer qualquer sacrifício pela escola, e certamente nós também vamos mostrar o mesmo comprometimento que eles têm mostrado. Se for da vontade de Deus, lutaremos sozinhos e faremos o nosso melhor(…)”

A questão entre os Terry e os Downing e Hayes durou por mais de um ano. Há várias cartas de Adolph e Lulu Terry defendendo com unhas e dentes que o trabalho ficasse em Corrente. Em uma delas Terry diz que Dr. Downing achava que o povo era degradado moralmente porque 90% dos casos que ele tratava eram de sífilis. Terry escreve a missão dizendo “por favor, se mandarem novo médico, mandem alguém que tenha compaixão cristã por aqueles que sofrem fisicamente as consequências de seus pecados.

Finalmente em uma carta de 26 de julho de 1922 o secretário executivo escreve “Dr. Terry, tenho visto o entusiasmo com que você e a senhora Terry têm pelo trabalho no interior, e este é nosso maior patrimônio e ao mesmo tempo uma evidência de que Deus nos estava guiando para este trabalho, então eu sinto que devemos fortalecer e sustentar o trabalho em Corrente. ”

 Os Terry tinham vencido a batalha. Corrente continuaria a ser a sede da Missão e local da escola, do Instituto Batista Industrial. Mas logo novos desafios chegariam.

 As próximas cartas do casal nos falarão de uma guerra no sertão Correntino. Mas isso é matéria para outro dia.

John Terry morreu enquanto passava sua licença nos Estados Unidos em 22 de julho de 1945 no Hospital Batista de New Orleans. Foi enterrado no cemitério de Homerville, na Georgia.

Lulu Sparkman Terry voltou para o Brasil para continuar o trabalho missionário e foi missionária no Brasil até 1957. Voltou aos Estados Unidos e morreu em 12 de setembro de 1965. Foi enterrada ao lado do marido. Na lápide de Adolph Terry há seu nome, a data de seu nascimento e de sua morte e a inscrição “Missionário no Brasil – 1912-1946”.

 Na lápide de Lulu Terry, “Missionária no Brasil – 1912-1957” Parece mesmo que a missão no Brasil foi o maior orgulho de ambos. Lutaram lado a lado com os Correntinos para que o Instituto fincasse ali suas raízes.

Amaram muito a cidade e seu povo. Pense neles na próxima vez que andar pela rua Adolph JohnTerry.

A cada 5 anos no campo os missionários tinham direito a um ano de licença nos Estados Unidos.

* David Fernando Nogueira da Silva é de Corrente, é doutor em História pela Universidade de Princeton, Estado de  New Jersey – Estados Unidos.

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