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As Disputas Políticas e Religiosas em Corrente no Início do Século XX

Igrejas marcam a história religiosa no Extremo Sul do Piauí

 

O Historiador de Corrente, David Nogueira, em suas pesquisas na Biblioteca do Seminário Teológico de Princeton – Estados Unidos, continua a descobrir documentos que narram a chegada dos Batistas no Piauí.  

Por David Nogueira

Em 1952 o missionário Americano Crabtree escreveu o livro “a história dos Batistas” e nele narrou um pouco da saga dos Batistas do sul do Piauí. Entre outras coisas, ele escreve sobre a forte oposição que os protestantes sofreram da Igreja Católica local. Crabtree escreve:

Pouco tempo depois desta visita do Cel. Benjamin à Bahia, no ano de 1897, a influência dos crentes começou a espantar os católicos e vieram os frades João e Henrique a Corrente para iniciarem uma campanha intransigente contra os protestantes e especialmente contra os livros, alegando que eram Bíblias protestantes e, portanto, falsificadas.

Exigiram que o povo entregasse essas Bíblias juntamente com os Evangelhos para serem queimados. Ficaram admirados os crentes de que alguém pudesse exigir-lhes as suas Bíblias para a queima. Poucos entregaram os Evangelhos e o professor foi o único que partiu com a Bíblia. D. Margarida, prima do Cel. Benjamin, pediu ao padre local a Bíblia emprestada e os crentes, comparando as Bíblias com a do padre ficaram convencidos de que elas eram verdadeiras. Daquele tempo em diante a sociedade correntense ficou dividida em duas fileiras — católicos e protestantes” (CRABTREE 1962).

Casos em que bíblias eram confiscadas não aconteciam somente em Corrente. O primeiro missionário enviado pela junta de Richmond a Corrente, Adolph Terry, trabalhou alguns anos em Teresina antes de ir a Corrente. Em 13 de julho de 1916 ele envia uma carta à junta de Richmond e também uma bíblia, e ele explica que: “Estou mandando, por carta registrada, a bíblia que foi rasgada por um padre católico aqui em Therezina ano passado. ” A dona da bíblia devolveu o que sobrou dela aos missionários, que em troca lhe deram uma nova bíblia.

Na capa da bíblia escreveram: “Esta bíblia, enquanto estava nas mãos de sua antiga dona, Sra. Carmina Vieira de Araujo, foi rasgada pelo padre Joaquim Lopes, a 25 de Novembro (domingo) de 1915. É agora propriedade da Igreja Batista em Therezina.” Em Corrente, porta de entrada para os Batistas no Estado, a situação parece mesmo ter sido complicada desde o começo, e não só com relação às bíblias. Havia dificuldade inclusive para a realização de reuniões religiosas. Até mesmo o delegado, de acordo com Crabtree, tentou dificultar a realização de cultos por parte dos Batistas, como podemos ver neste próximo trecho do relato do missionário:

 “Reuniam-se os crentes em casas particulares e continuavam o estudo da Palavra de Deus. Mais tarde o Cel. Benjamin e o Sr. Antônio Nogueira Paranaguá arranjaram uma casa na vila onde podiam pregar o evangelho publicamente e com regularidade.

O culto consistia principalmente no estudo bíblico. Usavam também como cantor os Psalmos e Hinos dos presbiterianos. Tudo isto se deu sem ser visitada a Vila de Corrente por qualquer evangelista, pastor ou missionário. Fêz o irmão Jackson a sua primeira viagem evangelística pelo Vale do S. Francisco em 1901. Fêz uma boa série de conferências na cidade de Barra e batizou um môço. Pretendia visitar a Vila de Corrente, mas não conseguiu fazê-lo nesta ocasião.

Escreveu o Cel. Benjamin ao irmão Jackson, pedindo que êle fizesse uma visita a Corrente. Recebendo uma carta do missionário Jackson, marcando a data da viagem, o coronel escreveu aos seus parentes, pedindo que viessem para a reunião, trazendo seus amigos, mas completamente desarmados.  Chegou o Sr. Jackson nos princípios de 1902 e estava realizando uma série de conferências, havendo batizado logo no segundo dia o Cel. Benjamin e depois mais 7 ou 8 candidatos, quando recebeu ordem do então delegado de Corrente que se “retirassem sem perda de tempo sob pena de serem postos fora a pau”.

Muita gente chorou em defesa dos seus direitos, mas o Sr. Jackson persuadiu a congregação a retirar-se a fim de evitar qualquer desavença. Retiraram-se para a casa do Cel. Benjamin, distante um quilómetro, onde o irmão Jackson continuou a pregar por três dias, batizando ainda mais 5 convertidos. Nesta mesma viagem visitou o S. Jackson a cidade de Pôrto Nacional, a Vila do Bonfim e a Vila da Conceição, sendo bem recebido em tôda a parte e pregando a grandes congregações, não obstante a oposição forte dos jesuítas.

O Cel. Benjamin e o Sr. Antônio Nogueira Paranaguá continuaram a pregação do evangelho, e em 1903 começaram a construção de uma casa de culto que foi inaugurada por uma festa muito animada em 10 de janeiro de 1904 ”(CRABTREE 1952).

A animosidade entre Batistas e Católicos parece ter acontecido não só em Corrente, mas em várias partes do país. O Jornal “O apóstolo”, órgão de imprensa da Igreja Católica, narra em sua edição de 25 de agosto de 1907 que:

“Lê-se n’ “A Provincia” do Recife – Com toda a pompa religiosa e o splendor do rito catholico, realisou-se na igreja de Nossa Senhora da Penha a festa já anunciada, da abjuração das tres senhóras protestantes “Batistas”, que tinham sido illudidas pelos agentes da seita manhosa e baptizadas pelo próprio Salomão Ginsburg nas aguas lodosas do canal de Goyanna!

Ginsburg era um conhecido missionário. Nascido na Polônia, judeu convertido na Inglaterra, foi deserdado pelos pais e se tornou missionário. Chegando ao Brasil, conheceu Zacharias Taylor, o mesmo que foi salvo pelo Dr. Joaquim Nogueira Paranaguá de ser jogado às piranhas. Taylor convenceu Ginsburg de que a fé Batista praticava o verdadeiro Batismo e assim Ginsburg tornou-se não só Batista, mas também missionário da Junta de Richmond. Entretanto, em Corrente, a questão não era unicamente religiosa. A religião misturou-se também com a política local, como podemos ver neste outro artigo do jornal “O apóstolo”, agora de 11 de abril de 1909, sem assinatura de autor:

Deparando nós na secção paga do “Commercio” de domingo ultimo com uma correspondência do Corrente, não tivemos a satisfação de ler-lhe somente a epigraphe, e por ser assignada pelo Sr. José F. Nogueira Paranaguá, despertou-se em nós bem grande curiososidade, antecendo um bello producto de litteratura moderna, attenta a competencia do signatário.Fizemos o sacrifício de ler aquelle mixto de crenças religiosas e politicas, aquelle amalgama de idéas abstrusas, orfans do cavalheirismo e cortezia que devem patrocinar as reclamações, e originarias, talvez, de desmontagem politica”

O texto continua neste tom, deixando claro que as desavenças em Corrente são políticas e religiosas, misturando-se de forma a deixar a cisão entre os grupos ainda mais forte. Outro que escreveu uma resposta ao mesmo artigo de José Nogueira Paranaguá foi o padre Eliseu Cavalcante no jornal “O Apóstolo”. Em 18 de julho de 1909 publica-se no referido jornal uma carta dele datada de 22 de maio em que ele escreve:

A mentira é a arma favorita do caluniador. Despeitado o Sr. José F. Nogueira Paranaguá, subscriptor dum aranzel que publicou no “Commercio” de 4 de Abril ultimo, que de sua lavra só tem a assignatura, enfesou-se pela derrota que teve nas eleições municipaes de 10 de Dezembro, nas quaes tomou o bastão de chefe do odioso grupo da maldita seita e de alguns outros apanniguados, quasi todos comprados para poder votar nas referidas eleições”

Só este primeiro parágrafo do texto já nos permite ver o tom pouco amistoso que envolviam a religião e a política naqueles tempos. Perceba que ele fala das eleições perdidas pelo político, mas também faz questão de ligar sua imagem ao “odioso grupo da maldita seita. ”

Política e religião pareciam, já nestes precoces tempos de estabelecimento dos Batistas em Corrente, indissociáveis. Para aqueles que acham que hoje vivemos no Brasil tempos de divisão acirrada, a história política de Corrente pode nos mostrar que já houve tempos bem piores. Os termos usados por ambos os lados nestes e em outros artigos são, no mínimo, pouco amistosos.  Para finalizar, cito mais uma parte do livro de Crabtree, em que ele narra aquilo que chama de “perseguição à Igreja de Corrente. ” Diz o missionário Americano:

Levantou-se uma perseguição contra a igreja batista em Corrente, quando veio um cónego em caráter de bispo para destruir a obra evangélica. Fêz êle todo o possível para abafar o sentimento evangélico do povo, convidando o público para uma reunião na Igreja Católica, onde pregou violentamente contra os batistas e protestantes. Mandou ler na Igreja diante do auditório o capítulo 20 de Êxodo, de três versões diferentes da Bíblia, e com os seus sofismas dando prova da falsidade das Bíblias dos batistas.

O coronel escreveu-lhe uma carta, pedindo oportunidade de discutir com êle a questão das Bíblias. O cónego respondeu com uma carta grosseira, mas dizendo que podia falar com êle na casa do vigário de Corrente. Ambos os irmãos Benjamin e Joaquim discutiram com êle a questão das Escrituras respondendo às perguntas do cónego.

O padre usou de sarcasmo e falou com muita indelicadeza; seguiu-se uma discussão calorosa e havia presentes alguns padres embriagados dos quais alguns avançaram para agredir os batistas e o Dr. Joaquim Nogueira foi salvo de uma facada, por um amigo, António Catingueiro, cuja espósa o médico tratara.

Terminou a discussão em grande desordem e terminaram também os esforços católicos de impedir o progresso do evangelho na Vila de Corrente, distinguiram-se entre aquêle grupo de trabalhadores consagrados, pelo serviço fervoroso, perseverante e eficaz, os abnegados irmãos Coronel Benjamin Nogueira Paranaguá, Antônio Nogueira de Carvalho e José Francisco Paranaguá.”

  • Os textos de jornais e do livro de Crabtree foram transcritos com a grafia original da época. Os artigos aqui citados, bem como muitos outros, estão disponíveis em http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/ . Entrei em contato com o Arquivo Público do Piauí para saber se eles tinham cópias do jornal “O commercio” para ter acesso ao artigo de José Nogueira Paranaguá, mas o arquivo não retornou meus e-mails.

AGUARDE OUTRAS PUBLICAÇÕES.

* David Fernando Nogueira da Silva é de Corrente, é doutor em História pela Universidade de Princeton, Estado de  New Jersey – Estados Unidos.


Um comentário sobre “As Disputas Políticas e Religiosas em Corrente no Início do Século XX

  • Essa situação me reporta ao belíssimo livro “Paulo e Estêvão”, que relata a vida missionária de Saulo de Tarso, antes e depois de seu encontro (visão) com Jesus na estrada de Damasco. Claro que no livro (psicografado) a perseguição e a crueldade dos sacerdotes e judeus para com os novos convertidos às Boas Novas eram infinitamente maiores, pois eram considerados heréticos e, por isso, condenados às fogueiras e outros “espetáculos” do gênero nas arenas. A história, nossa velha conhecida, mostra que os algozes não aceitavam Jesus como o Messias Prometido por todos os profetas do Velho Testamento e não podiam acreditar num homem simples com seu recado de amor e igualdade, sem distinção de classes sociais. Mas a saga dos batistas no sul do Piauí emociona, especialmente a nós, filhos daquela terra, que pouco sabemos do que passaram os nossos parentes para implantar o Evangelho de Jesus em terras piauienses. Parabéns pelo seu trabalho, David, siga firme no seu propósito que tanto conhecimento e tanto bem vai proporcionar ao nosso país.

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